A SOMBRA NA CONTEMPORANEIDADE: O BULLYING E O COMPLEXO DO BODE EXPIATÓRIO - UM ESTUDO DE CASO

Por Daniel Nunes em 10/08/2013

A alma é o ponto de partida de todas as experiências humanas, e todos os conhecimentos que adquirimos acabam por levar a ela.
Carl Gustav Jung

Antes de apresentar a Monografia, deixo um texto aos que apenas querem entender minha visão a respeito do Bullying.

A pergunta que quero responder com esse texto é a seguinte: Qual é a contribuição que a Psicologia Junguiana tem a dar para a compreensão e superação do Bullying? Já existe muita coisa escrita para descrever o que é o Bullying, bem como suas consequências e por isso não serei prolixo. Vou direto ao que o texto se propõe.

Sem sombra de dúvidas estamos falando aqui de autoestima. Um acontecimento desse afeta profundamente a autoestima de quem sofre. Mas eu vejo que existe uma tendência de se achar positivo quando alguém que sofreu Bullying conquista posições de poder ou destaque em suas vidas, já que estas pessoas foram apequenadas anteriormente. Frente a isso eu diria o seguinte: dos males o menor!!! Afinal há também aqueles que permanecem aniquilados pelo resto da vida.

A Psicoterapia Junguiana entende que o primeiro passo verdadeiro na resolução de um conflito está na tomada de consciência das forças ligadas a ele. O simples fato da pessoa se tornar maior ou mais importante não traz a consciência do problema e, muitas vezes vemos esses indivíduos fazendo mau uso de seu poder. Mas como se tornar consciente de tais forças?

Para a Psicologia Junguiana, o ser humano vive sua vida cotidiana em bases mitológicas, históricas e culturais. Não somos conscientes disso, mas os mitos, a história e nossa cultura vivem em nós.

O mito do Bode Expiatório é o esteio que dá as bases para que o Bullying aconteça. Neste mito, originalmente, se sacrificavam dois bodes para dois deuses – Azazel e Jeová. Azazel, antigamente, era um deus respeitado tal qual Jeová. O bode sacrificado a ele era solto no deserto para caminhar até sua morte, expiando assim os pecados das pessoas. Mas houve um momento na história no qual Azazel passou a ser considerado um ser demoníaco e não havia mais quem expiasse os pecados. Essa ruptura histórica fez com que o pecado passasse a permanecer com a própria pessoa. Como é desagradável viver com nosso lado sombrio!!! Certamente as pessoas encontrariam um jeito de tirar de si o mal. E assim o fizeram – passaram a encontrar pessoas nas quais pudessem depositar seus pecados. Quando um indivíduo recebe as imolações dos outros, ele, mitologicamente, passa a representar o bode de Azazel, podendo carregar consigo as mais diversas sombras humanas.

Com isto que eu disse, eu não quero entrar no mérito dos motivos que levaram alguém, seja jovem ou adulto, a se tornar uma vítima de Bullying. Mas é muito importante que se entenda que esta pessoa passou a carregar uma sombra coletiva e não mais individual. O feio, o estranho, o diferente, o fraco, o burro, o incompetente, seja lá qual for a condição a qual está submetida a pessoa, ela está sendo condenada pelo coletivo à expiação do que os outros negam em si mesmos. Quero saber quem não tem nada de estranho dentro de si? Quem não se sente incapaz de vez em quando? Quem nunca se sentiu inadequado?

Mas quando existe alguém que carregue estas projeções, o jugo dos outros se torna mais leve. Essa é uma das grandes crueldades do coletivo. Para a maioria se sentir bem em sua mediocridade, há que se eleger alguém para ser rebaixado abaixo de todos.

E agora? E este que sofre? Qual é o olhar da Psicologia Junguiana para este que veste o papel do bode? Vou procurar escrever de forma simples e clara.

Inconscientemente este indivíduo possui uma imensa quantidade de agressividade que não consegue ser expressa de forma adequada, afinal o bode deve se sacrificar para a libertação dos outros. Inconscientemente ele carrega estas imagens como se fossem suas e a força dessas imagens, unidas a sua agressividade inconsciente, se torna um dínamo que fomenta grandes fantasias, mas que se mantém escondido da consciência, boicotando as melhores intenções destas pessoas.

Quando se inicia o processo de tomada de consciência, tanto a agressividade quanto as fantasias começam a vir à tona. Este é um momento muito difícil, pois imaginem o que é para uma pessoa se deparar com uma figura demoníaca dentro de si. Fantasias de poder, desejos homicidas e suicidas, fantaisas de diversas naturezas que perambulavam ocultas agora mostram sua face e, junto com elas, uma alta dose de agressividade que o indivíduo não sabe ainda expressar de forma adequada. Certamente este é um momento dolorido e delicado da psicoterapia.

O tempo necessário para se transpor este momento é de cada pessoa. Há aqueles que recuam, pois não se veem capazes de tal feito. Mas na medida em que se dão esses passos, estas pessoas passam a poder sentir a paz de não ter qualquer dívida a pagar. Agora não é mais necessário dar qualquer resposta ao mundo, pois, assim como eu disse no início, muitos acreditam que se tornando bons ou grandes poderiam se ver livres de sua inferioridade moral (inconsciente é claro). Acredito que depois do que escrevi ficou claro que isso seria apenas uma compensação, mas tanto a agressividade quanto as fantasias iriam permanecer no inconsciente, e por mais bom ou grande que se torna o indivíduo, o mal ainda estaria lá!

Atravessada esta ponte, o indivíduo estaria emocionalmente desligado de seu passado. Ele mesmo foi quem se perdoou e sua vida pode agora seguir não mais o destino das sombras do coletivo, mas o destino de sua própria existência.

O Bullying é um fenômeno, no qual a vítima é constantemente exposta a diversas formas de agressão e o motivo desta agressão geralmente é alguma característica da vítima vista como inadequada ao grupo. A vítima, dentre os personagens do Bullying, é a que mais apresenta, a longo prazo, problemas emocionais e muitas vezes físicos, resultantes de um longo prazo de submissão. A Psicologia Analítica, entre outras coisas, busca reconhecer as matrizes arquetípicas, mitológicas ou religiosas presentes nas mais diversas formas de expressão do ser humano. Ela busca também reconhecer e integrar os conteúdos que, por mais que estejam presentes em nossas atitudes, não são conscientes – e os denomina de sombra. Ao falarmos de matrizes arquetípicas, podemos também pensar em sombra coletiva e o Bullying, neste caso, poderia ser observado a partir da ótica do ritual do Bode Expiatório. Inicialmente, este ritual oferecia um veículo divino para a expiação do pecado humano. Os Hebreus, entretanto, transformaram a figura de Azazel, fazendo desse um anjo decaído. Dessa forma, o pecado humano passou a estar associado a uma figura diabólica e, ao invés de se ter um bode para a expiação do mal, o homem passou a ver no próprio homem um meio de transferir sua culpa. Este trabalho foi um estudo associado a um caso de um adolescente que sofria Bullying. Além de sua história, seus sonhos trouxeram importantes materiais que contribuíram muito em seu processo terapêutico. O objetivo deste trabalho foi buscar mostrar, principalmente através de um trabalho com os sonhos, a importância do reconhecimento dos conteúdos sombrios por uma vítima de Bullying.

Ao observar a natureza, podemos perceber que a agressividade é parte da dinâmica entre as espécies. Lutas por território, por acasalamento, por comida; a agressividade não é necessariamente destrutiva. Ela brota da tendência inata para dominar a vida, o que parece ser típico de toda matéria viva (WEISS, 1959).
Nos seres humanos, esta força vital não costuma seguir o caminho natural do instinto. Desde a mais tenra infância, no seio familiar, não é permitido às crianças dar vazão a seus impulsos agressivos, uma vez que estes são destrutivos para os outros (SANFORD, 1988).
Um dos desdobramentos psicológicos desta dinâmica se dá em indivíduos que perdem o contato com a raiva. Esta lacuna em sua consciência sujeita-os a não saber lidar com certas situações, já que a raiva nos dá uma resposta saudável a muitas situações cotidianas (SANFORD, 1988). Estas situações podem se dar em casa, no trabalho, na escola, em ambientes sociais, etc; e quando existe uma situação na qual se dão atos repetidos de opressão, tirania, agressão e dominação praticados sobre pessoas ou grupos, dá-se a isso, nos dias de hoje, o nome de Bullying (NETO, 2005).
Dentro de um conceito mais amplo, podemos afirmar que todos nós já fomos ou seremos vítimas de alguma forma de agressividade em algum momento de nossas vidas. Somos seres essencialmente sociais, e onde há relações interpessoais sempre haverá disputa por liderança e poder. Mas para que seja caracterizado o Bullying, essa agressividade precisa estar associada à permanência no tempo e a elementos perversos voltados à vítima (SILVA, 2010).
Entretanto, a prática de bullying agrava o problema preexistente, assim como pode abrir quadros graves de transtornos psíquicos e/ou comportamentais que, muitas vezes, trazem prejuízos irreversíveis (SILVA, 2010).
Todo o material que discute o tema aborda a questão da vítima dentro de uma perspectiva comportamental e retrata a vítima como o personagem com baixa autoestima, que foi submetido à agressão de diversas formas devido a algum tipo de diferença ou comportamento que causaram o Bullying.
Esta perspectiva comportamental em relação ao Bullying, na minha opinião, não oferece uma condição muito favorável à vítima, pois mesmo que estes indivíduos obtenham sucesso, em muitos casos, o farão como uma forma de compensação e sempre precisarão provar para si mesmos que são capazes de serem bem-sucedidos, o que os torna prisioneiros de uma condição social favorável. Por outro lado, o que ocorre em muitos casos é que as vítimas, devido à sua baixa autoestima, não conseguem encontrar qualquer realização em suas vidas.
O Bullying, de uma certa maneira, tem muitas semelhanças ao que se chama de Complexo de Bode Expiatório. Este último tem sua designação relativa a uma prática religiosa para se expiar o mal, emprestando-o a um animal, tirando do homem seu peso. Esse ritual de expiação do mal através de um bode remonta às origens da cultura cristã, sendo descrito na Bíblia1 como uma prática hebraica para atender a duas divindades – Jeová e Azazel. Este último, entretanto, passou, com o tempo, a ser considerado um anjo decaído e os aspectos negativos da personalidade humana que antes podiam encontrar um acolhimento divino, passaram a ser reprimidos pelo medo da ira de Jeová.
Com isso, o homem moderno se afastou absolutamente da matriz espiritual do rito do Bode Expiatório e uma das possibilidades que encontrou de “expiar” em si o mal foi encontrar alguém que represente algum aspecto detestável da natureza humana para que seja castigado nas mais variadas formas, muitas delas encontradas no Bullying.
Este trabalho abordará o tema de Bullying, a partir de um estudo de caso, dentro da perspectiva da Psicologia Analítica. Carl Gustav Jung propôs, além de uma estrutura psíquica, um caminho através do qual nós podemos realizar o potencial de tal estrutura, para o qual ele deu o nome de processo de individuação.
Neste caminho de realização de si mesmo, umas das coisas que o indivíduo precisa fazer é confrontar-se com sua sombra. ZWEIG e ABRAMS (1991) diz que a sombra é aquela parte da psique inconsciente que está mais próxima da consciência, mesmo que não seja completamente aceita por ela. Por ser contrária à atitude consciente que escolhemos, não permitimos que a sombra encontre expressão na nossa vida; assim ela se organiza em uma personalidade relativamente autônoma no inconsciente, onde fica protegida e oculta.
Todo homem tem uma sombra e, quanto menos ela se incorporar à sua vida consciente, mais escura e densa ela será. Esta posição diante da sombra faz com que ela seja percebida como algo mal e pernicioso. Entretanto, quando a personalidade da sombra pode ser percebida e assimilada, os seus potenciais inibidores ou destrutivos são reduzidos e a energia vital positiva que estava aprisionada pode ser liberada à consciência (ZWEIG e ABRAMS, 1991).
E é isso que costuma ocorrer na maioria das vezes; as pessoas começam a descobrir o caminho para a consciência apenas quando se deparam de algum forma com o mal (SANFORD, 1988).
Essa perspectiva diferenciada da psicologia junguiana traz aos indivíduos que sentem ter sofrido desnecessariamente uma grande oportunidade. Existem inúmeros casos, nos quais um acontecimento tido como ruim, foi, no decorrer do tempo, muito positivo. A situação de desgraça vivida foi transformada em uma bênção que veio provocar mudanças muito positivas; uma verdadeira cura só acontece quando a pessoa começa a ver o bem e o mal em sua vida a partir da ótica mais abrangente do si-mesmo, ao invés do limitado ponto de nesta do ego (SANFORD, 1988).
Uma das formas de se trabalhar com os conteúdos inconscientes dentro da Psicologia Junguiana são os sonhos.
Os sonhos, segundo Jung (1978), contêm imagens e associações de pensamentos que não criamos através da intenção consciente. Eles são um produto natural e altamente objetivo da psique, do qual podemos esperar indicações ou pelo menos pistas de certas tendências básicas do processo psíquico.
Ao atender um adolescente que vinha sofrendo Bullying em seu meio escolar, tive a oportunidade de conhecer mais de perto uma história de vida contada por um dos “personagens” do Bullying, a saber, a vítima. Desde os primeiros atendimentos, seus sonhos, com uma grande riqueza de imagens, trouxeram claramente conteúdos de uma forte carga emocional ligada à agressividade.
O objetivo principal deste trabalho é demonstrar como o reconhecimento da agressividade por uma vítima de Bullying pode ser uma importante etapa em seu processo de individuação. Para se chegar a estes objetivos, buscarei reconhecer as condições familiares, sociais e culturais ligadas à pratica de Bullying, além de demonstrar os possíveis mecanismos ligados à sombra que promovem a prática de Bullying. Buscarei também demonstrar como os sonhos podem ser uma forma de integrar a sombra das vítimas de Bullying.
Minha hipótese é a de que as vítimas de Bullying geralmente são indivíduos que guardam dentro de si uma agressividade inconsciente. De uma certa forma, esta condição inconsciente atrai a atenção de indivíduos com uma predisposição a encontrarem em suas vítimas uma forma de constelar a dinâmica do Complexo de Bode Expiatório. Ao se abordar o Bullying a partir da ótica do inconsciente, o bem e o mal podem se tornar relativos. Acredito que em muitos casos, uma vítima de Bullying é, inconscientemente, tão agressiva quanto seu agressor. Esta agressividade inconsciente, pela psicodinâmica proposta por Jung, pode ser responsável pelas agressões que recebe do mundo de fora.
Desta forma, um confronto com esta agressividade se faz necessário – um caminho tortuoso que fará o indivíduo se ver diante de sua sombra; e uma das formas de se percorrer este caminho se dá através dos sonhos, pois estes sempre nos revelam a condição do inconsciente e através de um trabalho com estas produções espontâneas do inconsciente, pode-se integrar estes conteúdos sombrios que antes governavam muitos de nossos sentimentos, pensamentos e atitudes.
Como estudante de psicologia junguiana, acredito que esta dinâmica inconsciente é uma grande responsável pelas agressões sofridas por essas pessoas. De uma certa forma, esta condição inconsciente atrai a atenção de indivíduos com uma predisposição a encontrarem em suas vítimas uma forma de constelar a dinâmica do Complexo de Bode Expiatório. Caso os indivíduos identificados com o papel de vítima não confrontem esta condição inconsciente, mesmo que se alcancem uma situação favorável em suas vidas, não serão capazes de realizar seu verdadeiro potencial.
Acredito que este importante passo em seu desenvolvimento psíquico se dá através de um confronto com sua sombra, que pode ser visto como o reconhecimento de sua agressividade e uma das formas de se fazer este trabalho se dá através dos sonhos.
No primeiro capítulo deste trabalho será apresentado o conceito de Bullying. O objetivo deste capítulo, além de mostrar o que de fato é o Bullying, é também falar dos diversos personagens o compõem e as possíveis consequências que estes sofrem. Ao final do capítulo procurarei mostrar a perspectiva da vítima dentro do contexto do Bullying.
No segundo capítulo será apresentada a psicologia analítica e o conceito de bode expiatório. Neste capítulo buscarei explicar os conceitos da psicologia junguiana mais relevantes para este trabalho e, ao final, um olhar da psicologia junguiana para o conceito de bode expiatório, devido ao fato de este oferecer uma possibilidade de se compreender as matrizes históricas do Bullying
O terceiro capítulo traz o caso, com a história do analisando e seus sonhos. Tanto sua história, quanto seus sonhos são tratados juntamente com a teoria junguiana com o objetivo de demonstrar o caminho que percorremos durante a análise, ou pode-se dizer, o seu processo de individuação.

Só vivenciamos a plenitude de nossa humanidade quando estabelecemos ligações qualitativas com nossos semelhantes e com as diversas manifestações da vida ao redor. São essas relações e o compromisso advindo delas que dão sentido à vida. (SILVA, 2010, pg 73)

Todos temos que lidar com pessoas que não gostamos e nem sempre conseguimos nos relacionar bem o tempo todo. Todos brigamos de vez em quando, mas nem todos os conflitos entre pessoas são bullying (MURPHY, 2009).
Um conflito normal se dá quando duas ou mais pessoas discordam sobre alguma coisa – normalmente sobre algo acidental, como esbarrando um no outro em um corredor ou tendo algum desentendimento. Em um conflito normal, as pessoas não estão querendo ter poder sobre o outro, nem obter atenção (MURPHY, 2009).

Por outro lado, Bullying define-se como uma forma de agressão física, psicológica ou sexual de caráter persecutório e repetitivo, geralmente envolvendo pares (ZAINE et. al, 2010). A provocação é repetida e tem um caráter degradante e ofensivo, sendo mantida mesmo quando há a emissão de sinais claros de oposição e desagrado por parte da vítima (NETO, 2005). O limiar entre as situações ditas normais e o bullying estão separadas por fronteiras tênues, entretanto, no bullying existe a intencionalidade de magoar ou causar danos (PEREIRA, 2011).
O Bullying atualmente se tornou um fenômeno que apresenta consequências que vão desde complicações psicológicas dos indivíduos envolvidos até assassinatos premeditados por aqueles que se sentiram humilhados (PEREIRA, 2011).
É possível identificar alguns fatores de risco que podem estar associados à ocorrência do bullying, como fatores da personalidade, autoestima, dificuldades nas relações sociais, ser vitimizado na escola ou fora dela, violência na escola ou fora dela, violência na comunidade, desajustes familiares, práticas educativas parentais, contexto escolar, alienação escolar, violência na mídia e percepção do problema (BANDEIRA, 2010).
O bullying não pode mais ser tratado como um fenômeno exclusivo da área educacional. Atualmente ele já é definido como um problema de saúde publica e, por isso mesmo, deve entrar na pauta de todos os profissionais que atuam na área médica, psicológica e assistencial de forma mais abrangente (SILVA, 2010).
Na dinâmica do Bullying existem 3 classes de personagens: o agressor, a vítima e a testemunha. Cada uma dessas classes tende a vivenciar um certo padrão de sofrimento, junto com o desenvolvimento de complicações que serão descritas a seguir.

O agressor é aquela criança que age de forma agressiva contra um colega que é supostamente mais fraco, com a intenção de machucar, prejudicar, entre outras coisas, sem ter havido provocação por parte da vítima (BANDEIRA, 2010).
O agressor, frequentemente, vê sua agressividade como qualidade, tem opiniões positivas sobre si mesmo e geralmente é bem aceito pelos colegas. Sente prazer e satisfação em dominar, controlar e causar dano nos outros e geralmente é mais forte que seu alvo (BANDEIRA, 2010).
Apresenta uma tendência maior para comportamentos de risco, como o consumo de tabaco, álcool ou outras drogas e porte de armas. Os agressores podem apresentar consolidação de seu papel de agressor com a continuidade deste comportamento ao longo da vida (BANDEIRA, 2010).

As vítimas que são constantemente abusadas geralmente apresentam um comportamento social inibido, passivo ou submisso. Estes adolescentes costumam sentir vulnerabilidade, medo ou vergonha intensos e uma autoestima cada vez mais baixa, aumentando a probabilidade de vitimização continuada (BANDEIRA, 2010).
Dentro da classe das vítimas, existem três variações que diferem substancialmente, tanto em sua postura perante o agressor, como também nos desdobramentos que esta postura acarreta em suas vidas.

Vítima passiva ou típica – serve de marionete para o agressor. Não reagem às provocações e sofrem repetidamente as consequências dos comportamentos agressivos. Geralmente tiveram uma criação na qual foram superprotegidas em casa. Costuma sentir um intenso medo e grande falta de confiança em si mesmas (PEREIRA, 2011).
Estes indivíduos costumam apresentar uma extrema sensibilidade, timidez, passividade, submissão, insegurança, baixa autoestima, alguma deficiência de aprendizado, ansiedade e aspectos depressivos. Costumam também sentir dificuldade de impor-se junto ao grupo (PEREIRA, 2011).

Vítima agressiva
Tendo passado por situações de sofrimento, busca indivíduos frágeis para transformá-los em bode expiatório (PEREIRA, 2011).
Esta classe de vítima provavelmente apresenta uma combinação de baixa autoestima, atitudes agressivas e provocativas e prováveis alterações psicológicas, merecendo atenção especial. Estes indivíduos podem ser depressivos, ansiosos, mais inseguros e inoportunos, procurando humilhar os outros para encobrir suas limitações (BANDEIRA, 2010).
O grupo de vítimas/agressores apresenta os maiores números de problemas de conduta, problemas na escola, problemas com o grupo de iguais, sintomas psicossomáticos e psicológicos, maiores encaminhamentos aos serviços psiquiátricos e uma maior probabilidade de persistência no seu envolvimento em bullying (BANDEIRA, 2010).
Junto ao grupo de agressores, as vítimas/agressores estão mais suscetíveis ao uso excessivo de cigarros, álcool e outras substâncias. Este grupo apresenta o risco mais elevado para apresentar severas ideações suicidas. Apresentam risco aumentado para vários tipos de comportamento de risco, violência e comportamento antissocial, quando comparadas a crianças que não estão envolvidas em bullying (BANDEIRA, 2010).

Vítima provocativa
Estes indivíduos, de algumas forma, atraem para si reações agressivas por mim parte das pessoas, para as quais não conseguem lidar. Em seu comportamento, geralmente podemos perceber atitudes geniosas, tentam brigar ou responder quando são atacadas de alguma forma, podem ser pessoas hiperativas, inquietas, dispersivas ou ofensoras. Geralmente são imaturas, de costumes irritantes e causadoras de tensão no ambiente. Ao se observar o contexto familiar no qual foram criadas, vemos que geralmente possuem pais punitivos e agressivos (PEREIRA, 2011).
Como este trabalho se pretende a tratar de um estudo de caso e o analisando em questão se enquadra no perfil de uma vítima provocativa, darei, a partir deste ponto, uma ênfase no que concerne ao caso.

Uma das hipóteses deste trabalho é a de que, em muitos casos nos quais se dá a dinâmica do Bullying, podemos encontrar raízes emocionais que, de alguma forma, podem ser consideradas, em algum nível, responsáveis por levar um indivíduo a se tornar uma vítima de Bullying.
Certamente existem muitas possibilidades de contextos que podem fazer de uma pessoa uma vítima deste tipo de agressividade, o que seria material suficiente para um trabalho de grande extensão, mas vou aqui tentar me ater a algumas condições que podem estar associadas ao estudo de caso do presente trabalho.
De uma forma geral, os principais fatores encontrados na literatura, que geram condição de vítima são: proteção excessiva, tratamento infantilizado e papel de bode expiatório da família (PEREIRA, 2011). Mais a frente, esta condição inicial se somará a alguma forma de diferença social, que reforçará um sentimento de baixa autoestima, muito comumente encontrado nas vítimas de Bullying.
Para Bandeira (2010), existe uma correlação entre autoestima e aprovação social, e tal correlação é virtualmente generalizável a todos os grupos étnicos e culturais. Segundo a autora, a autoestima é talvez a variável mais crítica que afeta a participação exitosa de uma pessoa com outra em situações diversas. Indivíduos com baixa autoestima desenvolvem mecanismos que provavelmente distorcem a comunicação de seus pensamentos e sentimentos e dificultam a integração grupal. A posição que as crianças e os adolescentes ocupam entre seus pares é extremamente importante, uma vez que a autoestima é uma função deste status dentro do grupo.
Em muitos casos, a vítima não revela espontaneamente o bullying sofrido por vergonha, temer retaliações, descrer nas atitudes da escola. Muitas vezes, quando consegue denunciar os atos a um adulto e esse não lhe dá a devida atenção, se sente impotente (PEREIRA, 2011). Essas condições podem reforçar sua atitude silenciosa, o que fará com que o agressor tenha um grande espaço para continuar a oprimir a vítima.
Como a literatura relacionada ao tema tem uma abordagem geralmente comportamental, é comum encontrarmos o ponto de vista de que a agressão no Bullying é intencional e não provocada pela vítima. Entretanto, um dos objetivos deste trabalho é mostrar justamente o contrário. Com isso não digo que o agressor não tenha responsabilidade sobre sua atitude, mas penso eu que trazer um novo olhar à vítima, no qual esta tem a possibilidade de identificar a sua responsabilidade, pode oferecer a ela uma oportunidade de superar esta situação, não apenas no sentido de não sofrer mais as agressões, mas principalmente de se libertar da situação interior que atraía seu agressor.
Para isto, deve-se considerar outras questões muito importantes no que se refere ao desenvolvimento do papel da vítima. Mais afrente será dada uma atenção mais aprofundada a isso, mas, de acordo com as características do caso, vou deixar uma visão geral deste processo.
Quando a agressividade começa a ser expressa pela criança, é certo que um elemento de desarmonia passa a existir dentro do ambiente doméstico. Em muitas famílias, as crianças não são apenas reprimidas na expressão de sua agressividade, mas são vítimas da intensa projeção das sombras de seus pais. Dentro desta situação, há aqueles que permanecem razoavelmente ilesos; entretanto, em muitos casos, estas pessoas terão que lidar com uma profunda ferida psicológica (SILVA, 2010).
Um dos fatores muito comuns para que tal repressão aconteça se dá quando há uma grande preocupação com os aspectos externos da moral coletiva, como se os membros da família estivessem na incumbência de defender algum esforço ancestral ou social em ser bom ou, pelo menos, em parecer bom (PERERA, 1998).
Segundo Perera (1998), quando os pais tem modelos muito fortes de valores morais, passam a exigir dos filhos um comportamento excessivamente adequado. Com isso, todas as suas qualidades negativas expressas pelos filhos são, muitas vezes, severamente retaliadas.
Muitas vezes, a forma com a qual os pais repreendem seus filhos, numa situação como descrita acima, traz uma grande quantidade de agressividade. Em muitos casos essa criança não se sentirá capaz de enfrentar a tirania de seus pais e guardará consigo seus sentimentos.
Ao se depararem com o Bullying, estes indivíduos geralmente assumem o papel de vítima. E por não encontrarem em si ferramentas para lidar com as agressões, muitas vezes sofrem por um longo período nas mãos de diversos agressores.

Os grandes problemas da vida nunca são resolvidos de maneira definitiva e total. E mesmo que aparentemente o tenham sido, tal fato acarreta sempre uma perda. Parece-me que a significação e a finalidade de um problema não estão na sua solução, mas no fato de trabalharmos incessantemente sobre ele. (JUNG, 2000, § 171)

A Psicologia Analítica procura solucionar os conflitos resultantes das imagens do inconsciente que a nossa mente racionalista havia rejeitado, não voltando à natureza, mas conservando-nos ao nível da razão que alcançamos com sucesso e enriquecendo nossa consciência com o conhecimento das imagens inconscientes (JUNG, 2000).
Para Jung (2011), as imagens inconscientes tem uma origem pessoal ou coletiva e aqueles que se dedicam ao tratamento analítico acreditam, implicitamente, no sentido e no valor da tomada de consciência, que faz com que essas partes, até então inconscientes da personalidade, sejam submetidas à opção e à crítica conscientes.
O inconsciente pessoal contém material reconhecível, de origem definidamente pessoal; são aquisições do indivíduo ou produtos de processos instintivos que completam a personalidade. Há também os conteúdos esquecidos ou reprimidos. Tal camada é inteiramente composta de elementos pessoais e componentes da inteireza da personalidade humana (JUNG, 1983).
Por outro lado, no Inconsciente Coletivo encontramos outra classe de dados, cuja origem é totalmente desconhecida, ou pelo menos, tais fatores têm origem que não pode em hipótese alguma ser atribuída a aquisições individuais. Sua particularidade mais inerente é o caráter mítico. É como se pertencesse à humanidade em geral, e não a uma determinada psique individual (JUNG, 1983).
Para que o homem possa lidar com sua dimensão inconsciente, existe uma dimensão consciente que, na Psicologia Analítica, chamamos de ego. Jung (1983) diz que o ego é sempre o centro de nossas atenções e de nossos desejos, sendo o cerne indispensável da consciência. A força de atração deste complexo é poderosa como a de um imã: “é ele que atrai os conteúdos do inconsciente, daquela região obscura sobre a qual nada se conhece” (JUNG, 1983. p. 19).
Porém, até que os conteúdos do inconsciente sejam atraídos, de alguma forma, à consciência, eles permanecem nesta região obscura. As qualidades que foram rejeitadas não cessam de existir simplesmente porque a elas lhes foi negada uma expressão direta. Ao contrário, elas permanecem dentro de nós e formam a segunda personalidade que a psicologia analítica denomina de sombra (JUNG, 1978).
A sombra não constitui o todo da personalidade inconsciente. Ela representa qualidades e atributos desconhecidos ou pouco conhecidos do ego — aspectos que, na sua maioria, pertencem à esfera pessoal e que poderiam, do mesmo modo, ser conscientes. Em alguns aspectos, a sombra também é constituída de fatores coletivos que se originam de uma fonte exterior à vida pessoal do indivíduo (SANFORD).
Um outro elemento importante na constituição psíquica proposta por Jung é o complexo. Whitmont (1994) diz que o complexo é um conjunto autônomo de impulsos agrupados em torno de certos tipos de ideias e emoções carregadas de energia; é expresso em identidade, compulsão, primitividade, inflação e projeção, enquanto ele se mantiver inconsciente.
Jung (2000) diz que os complexos não são totalmente de natureza mórbida, mas manifestações vitais próprias da psique, seja esta diferenciada ou primitiva. Por isso, encontramos traços inegáveis de complexos em todos os povos e em todas as épocas.
Enquanto nos mantivermos num estado de identidade inconsciente com um complexo, não teremos uma possibilidade real de escolha de nossas atitudes e, devido à projeção da sombra inerente a esta dinâmica, veremos não as pessoas, mas os complexos em nós. Desta forma não será possível estabelecermos um relacionamento real com o mundo à nossa volta (WHITMONT, 1994)
Para Jung (1978), Toda a dinâmica psíquica é teleológica1. Todas as suas partes, se é que podem ser divididas, são como afluentes de um rio. Este rio representa o processo de individuação.

A individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por “individualidade” entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si-mesmo. (JUNG, 1978, § 266, grifo do autor)

Quem progredir no caminho da realização do si-mesmo inconsciente trará inevitavelmente à consciência conteúdos do inconsciente pessoal, ampliando o âmbito de sua personalidade. Esta ampliação se refere, em primeiro lugar ao autoconhecimento, pois os conteúdos do inconsciente liberados e conscientizados pela análise são em geral desagradáveis e por isso mesmo foram reprimidos. (JUNG, 1978).
Mais a frente, durante a discussão do caso, será dada maior atenção aos conceitos da Psicologia Analítica, que serão apresentados de acordo com o conteúdo que estiver sendo trabalhado.

O Bode Expiatório era um animal que era apartado do rebanho e deixado só na natureza selvagem como parte das cerimônias hebraicas do Yom Kippur, o Dia da Expiação, à época do Templo de Jerusalém. Este rito é descrito na Bíblia no livro do Levítico.
Há, no rito original hebraico, dois bodes. Há, também, o sumo sacerdote de Jeová, que representa um agente temporariamente consagrado do coletivo, mediador entre os mundos divino e humano (PERERA, 1998).
Um dos bodes é oferecido à Jeová para que Ele perdoe Israel. É sacrificado como uma oferenda pelos pecados, de modo que seu sangue possa purificar e sacralizar o santuário, o tabernáculo e o altar. Seu sangue aplacará o deus irado, expiando a impureza dos filhos de Israel por todas as suas transgressões e pecados. O outro bode, o bode expulso ou evadido, é dedicado a Azazel, um deus ctônico, posteriormente considerado um anjo decaído pelos hebreus. Com as mãos sobre a cabeça do bode, o sumo sacerdote confessa todas as faltas dos filhos de Israel; todas as suas transgressões e pecados, depositando-os no bode. Esse bode vivo é, então, retirado do acampamento e mandado para o deserto – e levará o bode, consigo, todas as culpas dos israelitas para uma região deserta (PERERA, 1998).
Ao analisar o papel dos dois bodes dentro da cerimônia hebraica, Perera (1998) diz que, no caso do primeiro bode, o sangue da vítima imolada redime e purifica, representando a energia dos instintos sacralizada, a fim de conquistar-se um novo vínculo com o espírito; a fim de reconciliar a comunidade arrependida com o seu Deus e com os ideais sagrados que criaram e mantiveram a cultura hebraica.
No caso do bode errante oferecido à Azazel, temos, segundo Perera (1998), o bode que remove a nódoa da culpa. Enquanto portador do pecado, ele carrega os males confessados sobre sua cabeça para longe do espaço da consciência coletiva. O bode errante representa tudo aquilo que acarreta culpa, sendo, portanto, rejeitado e reprimido pelo código hebraico: as energias e necessidades instintivas que ameaçam o desenvolvimento humano aos olhos de Deus; a energia dos impulsos descontrolados, particularmente a sexualidade, a rebeldia, a agressão e a cobiça – atributos projetados sobre Azazel.
O rito descrito acima traz a imagem original de Azazel, o qual era um deus-bode dos pastores pré-hebraicos. Estava relacionado com a beleza feminina e sensual, bem como com as religiões naturais (PERERA, 1998).
Progressivamente Azazel passou a carregar a projeção de uma face de Jeová, passou a carregar o exagero defensivo da própria reação de Jeová contra o mundo do feminino e dos deuses pré-hebraicos da natureza. Tornou-se ele próprio, o bode expiatório de Jeová, sendo redefinido como um anjo rebelde, simplificado, colocado como opositor e negativo, a fim de expungir a sombra de Jeová. O antigo deus foi transformado em demônio. A imagem de Azazel modificou-se à medida que a ruptura entre o bom Deus e o demônio tornou-se mais profunda (PERERA, 1998).
Assim, segundo Perera (1998), Azazel passou a ocupar, psicologicamente, o lugar do juiz arrogantemente puro, condenador e hipercrítico, que mantém o homem preso a um padrão de comportamento impossível de ser alcançado, uma vez que as forças instintivas irrompem em sua frágil disciplina. É um padrão que não leva em conta os fatos da vida e o envolvimento do homem pela natureza.
O autor acrescenta que Azazel se torna também defensor de uma moral de imperativos dogmáticos e perfeccionistas, o diabólico destruidor dos que transgridem a Lei de Jeová. É esta distorção, exageradamente parcial e sádica, da divindade ctônica original, que transforma Azazel num acusador; um perseguidor de bodes expiatórios na psicologia de homens e mulheres da atualidade
Para Perera (1998), nos indivíduos identificados com o complexo de bode expiatório, este acusador é constelado pela rejeição na família. Essa rejeição se origina nos julgamentos morais da mãe ou do pai, relacionados, assim como no Azazel Hebraico, com o modo como as coisas deveriam ser e não como elas são.
A família do indivíduo identificado com o bode expiatório geralmente se preocupa bastante com os aspectos externos da moral coletiva, a ponto de necessitar purgar-se, como se seus membros estivessem na incumbência de defender algum esforço ancestral ou social em ser bom ou, pelo menos, em parecer bom (PERERA, 1998).
Os pais, segundo Perera (1998), tendem a ter modelos muito fortes de valores morais e normalmente lutam por desempenhar funções de pilares da sociedade: religiosos, médicos, professores, políticos e psicólogos. Eles têm um interesse agressivo, travestido numa imagem da persona adequada aos padrões coletivos de virtude e boas maneiras, pois sua identidade depende, em última análise, da aprovação coletiva e externa. Mas mostram-se capazes de angariar o suficiente dessa aprovação para continuarem inconscientes em relação aos aspectos de si mesmos que não mereceriam a mesma aprovação. Sua negação da sombra pessoal dissocia-os das próprias profundezas instintivas e da sua individualidade, tornando-os frágeis e defensivos.
Quando a consciência se identifica com a parcela do complexo existente no acusador, o indivíduo passa a acusar os outros, exercendo um tráfico de virtudes e probidade superiores. Quando a consciência se identifica com a vítima, esse acusador interno aceita, de forma masoquista, a rejeição, a acusação e a agressão (PERERA, 1998).
Na fenomenologia do complexo de bode expiatório, as forças e a reatividade do indivíduo são sentidas como as causas de sua dor, fazendo-o um tipo de bode especialmente escolhido para o sacrifício. Chega-se, assim, à curiosa lógica de que toda a dor é uma punição; de que toda dor é merecida, pela capacidade de o indivíduo assimilar a sombra projetada (PERERA, 1998).
As energias instintivas não são dominadas e nem tampouco integradas; permanecem dissociadas, explosivas e amedrontadoras. A inabilidade do bode expiatório adulto em desenvolver uma identidade e uma autoconfiança próprias deve-se ao fato de ter sido sobrecarregado, desde muito cedo, com aqueles elementos desvalorizados, negativos, reprimidos e dissociados pelos pais, que, em primeira instância, representam o coletivo.

A apresentação do caso será feita acompanhada da teoria e a discussão. Acredito que dessa forma este trabalho pode ser melhor compreendido pelo fato de os conceitos estarem dentro de um contexto. Segue-se a apresentação do caso.

Pedro (nome fictício) procurou atendimento devido ao fato de estar tendo pensamentos suicidas e homicidas. Relatava sentir uma depressão que se manifestava com intensidade em alguns momentos. Um fator importante relacionado às suas dificuldades era o fato de estar sofrendo Bullying na escola. Os pensamentos homicidas se destinavam aos agressores.
O Bullying foi algo bastante presente em sua vida. Conta que em todas as escolas que estudou fora, de alguma forma, submetido a alguma forma de agressividade. Entretanto, para Pedro, não havia um sentimento negativo em relação aos agressores no momento em que sofria a agressão. Este chegava a sentir certa compaixão por quem lhe agredia.
Este foi o sonho que Pedro trouxe após o primeiro encontro:

Sonho 1
“Estou numa sala de aula e vejo dois homens mais velhos. Me sinto ameaçado por eles. Pego uma arma e atiro nos dois. Fujo e entro numa floresta. Escondo-me num local de concreto com uma grade.
Um helicóptero pega essa estrutura e me leva até um local que lembra uma cidade do Egito. As pessoas andam pelas ruas. Quero me esconder, ou passar por uma pessoa qualquer pra não ser descoberto. Quando percebo que sou descoberto, fujo novamente.
Vou para um lugar perto da praia que tem uns dinossauros. Entro numa caverna e há um carro com um amigo meu perto desse carro”.

Jung (1978) diz que o sonho, por se tratar de conteúdos do inconsciente e também por ser a resultante de processos inconscientes, ele oferece-nos justamente uma representação dos conteúdos inconscientes, não de todos, mas apenas de alguns, que foram reunidos e selecionados associativamente em função do estado momentâneo da consciência. Segundo o autor, podemos considerar os sonhos como a reação natural do sistema de autorregulação psíquica (JUNG, 1983)
Para Jung (1978), os sonhos contêm imagens e associações de pensamentos que não criamos através da intenção consciente. Eles aparecem de modo espontâneo, sem nossa intervenção e revelam uma atividade psíquica alheia à nossa vontade arbitrária. O sonho é portanto um produto natural e altamente objetivo da psique, do qual podemos esperar indicações ou pelo menos pistas de certas tendências básicas do processo psíquico.
Jung (2011) também diz que o sonho retrata a situação interna do sonhador, cuja verdade e realidade o consciente reluta em aceitar ou não aceita de todo.
A técnica que geralmente é adotada para o trabalho analítico com os sonhos é a amplificação.
A amplificação, para Jung (1983) se dá através de uma exploração dos elementos dos sonhos através do estabelecimento de paralelos às imagens e de perguntas ao sonhador. Os paralelos são estabelecidos através de conhecimentos frente à imagem e, caso isso se torne legível, é possível encontrar motivos arquetípicos ou coletivos no sonho.
As perguntas que são feitas ao sonhador, segundo Jung (1983) buscam as associações que a pessoa faz consigo mesma. O autor diz que não sabemos o que as imagens do sonho representam ao sonhador. Uma mesma imagem tem representações muito distintas a cada pessoa, estando relacionadas à sua história pessoal. Com isso, pode-se compreender o contexto no qual o sonho se insere e a interpretação volta-se verdadeiramente ao sonhador.
Jung (2011) também diz que a associação livre de per si não permite que seja descoberto o sentido de um sonho. Para ele, através de associações, podemos descobrir naturalmente os complexos de uma pessoa. Entretanto, para se compreender o sentido de um sonho devemos nos ater tão fielmente quanto possível à imagem onírica.
Hall (2011) diz que o sonho deve ser interpretado no contexto da vida corrente da pessoa que o tem. Como na maioria dos casos os sonhos são compensatórios, eles oferecem um contraponto para a atitude da identidade do ego dominante. O ego tem sempre uma visão limitada da realidade, ao passo que o sonho manifesta uma tendência para a ampliação do ego.
Segue-se abaixo o trabalho associativo do sonho anterior:

1 (Analista) – Você se sentia ameaçado por esses caras do começo do sonho?
2 (Pedro) – Eu sentia que eles fariam alguma coisa comigo, que eles estavam armados. Era na sala de aula do Educap (nome fictício).
1 – No Educap você sofria Bullying?
2 – Sim, tinha o cara que chutava minha perna.
1 – Aqueles dois homens pareciam alguém, te lembravam alguma coisa?
2 – Não eram homens magros ou gordos. Tinham cabelo curto e preto. Não pareciam pobres ou ricos.
1 – Daí você foi pra floresta e se trancou num lugar.
2 – Parecia aquele lugar que você põe botijão de gás.
1 – O que você associa com botijão de gás?
2 – Eu sempre gostava da música do carro de botijão quando era criança. Sempre quis entrar lá dentro. Dentro dele eu pensava que dava pra me esconder.
1 – Como esse povo do Egito é pra você na vida real?
2 – Pensando agora, era um povo com muito conhecimento, tanto de matemática quanto de ciência. Agora eu lembrei de um desenho infantil que eu gostava que o personagem era do Egito.
1 – Que personagem?
2 – Eram dois ratinhos.
1 – Depois você vai pra praia; quando chega lá tem dinossauros. Eles eram grandes?
2 – Era como se fosse o Velociraptor, mas eu não tinha medo.
1 – Como você vê o Velociraptor?
2 – Me lembra o Jurassic Park.. ele era o que mais matava.. os outros grandes você percebia se aproximado. Quando eu era pequeno eu tinha medo de coisas que você não podia ver direito, que se escondessem, como se estivessem chegando sem eu perceber.
1 – Depois você entra numa caverna!
2 – Eu saí e tinha o carro com meu amigo.
1 – Quem era esse amigo?
2 – Ele era um cara tranquilo, que não se acha. Ficava na dele. O nome era João.
1 – E o carro?
2 – Não era um carro de gente pobre ou rica.
1 – Interessante você lembrar do desenho dos dois ratos, pois os ratos se escondem e todo mundo quer matar. O rato está correndo perigo o tempo inteiro.
O sonho mostra o tempo todo o seu medo – você mata os dois pelo seu medo, depois o seu medo faz você fugir. Você se esconde num lugar com medo de ser descoberto. Depois você encontra o Velociraptor que você também associa com medo.
Por outro lado, o Velociraptor está no seu sonho. Ele está dentro de você. Ele é mortífero. Ele é muito antigo. Ele mostra algo de instintivo.
2 – Teve um dia no Cotuca, que eu cheguei atrasado e um amigo falou: “o Gabriel chegou com a mesma cara de bosta” Daí ficou zoando comigo e eu enfiei a cara dele na mesa. Depois eu pedi desculpas. Ele vinha me enchendo o saco e aí ele parou.
Tem outro cara que fica fazendo desenhos animados de zoeira com os outros. Ele começou a fazer um monte sobre mim. Então, eu falei – se você continuar a fazer isso eu vou te dar um murro – e pedi pra ele parar de fazer isso. Acho que eu fiz isso com medo de começar a sofrer Bullying novamente.
1 – Um cachorro que tem medo, ataca. Antes você se encolhia pelo medo, mas hoje você ataca.
O sonho mostra o tempo todo o seu medo – você mata os dois homens pelo seu medo, depois o seu medo faz você fugir para a floresta. Você se esconde num lugar com medo de ser descoberto. Mais a frente, encontra o Velociraptor que você também associa com medo.
No final do sonho aparece uma pessoa simples, de bem com a vida. Não se envolve com coisas ruins. Ele não está dentro dessa dinâmica de agressão.

Certamente, num sonho como esse, assim como nos demais que serão apresentados, existem muitos elementos a serem explorados. Entretanto, para o propósito deste trabalho, darei atenção aos temas e elementos que elenquei como mais significativos ao caso.
Para mim, um dos temas centrais deste sonho é o medo. O sonho começa em um ambiente escolar, local onde Pedro é frequentemente alvo de Bullying. Há dois homens que Pedro sente como um perigo. Como vimos, a figura de um homem em um sonho de um outro homem pode ser a representação de sua sombra e o que o sonho mostra, no seu desfecho, são algumas representações que foram associadas ao medo, culminando na figura ctônica de um dinossauro com um grande potencial destrutivo.
Mais a frente, será dada atenção ao elemento ctônico em seus sonhos, mas o que podemos pensar neste ponto do trabalho é que o medo de Pedro não seria o medo de ser agredido, mas o medo de forças que estariam represadas em seu inconsciente e que, justamente por estarem represadas, estão sujeitas a se apresentar de uma forma destrutiva.
O fato de Pedro matar os dois homens no início do sonho e, ao fugir, entrar em contato com elementos associados a medo, pode apontar para os desejos suicidas e homicidas que ele vivencia.
Um outro tema interessante do sonho são as imagens associadas a neutralidade, que Pedro descrevia como “nem gordos, nem magros, nem pobres, nem ricos, etc., e no final, aparecer uma pessoa que não representa nenhum dos personagens do Bullying, mas sim alguém que se apresenta de uma forma natural e tranquila. A primeira associação de neutralidade se faz com os dois homens, que eu associei à sombra de Pedro.
Sanford (1988) diz que cada parte da nossa personalidade que não amamos é relegada ao inconsciente, compondo nossa sombra e tornando-se, dessa forma, hostil a nós. Quando a energia é reprimida por um tempo por demais longo e em excessiva profundidade, algo de consequências lamentáveis pode ocorrer. O autor também diz que quando a personalidade da sombra pode ser percebida e assimilada, observa-se a redução de seus potenciais inibidores ou destrutivos e a consequente liberação da energia vital positiva que estava aprisionada.

No relato anterior em relação a sessão, Pedro afirmou que sentia certa compaixão por seus agressores. Essa atitude compassiva se contrastava com seus desejos e fantasias de cometer homicídio com esses mesmos colegas.
Com esta percepção, na sessão posterior, passamos a conversar sobre o relacionamento dele com o pai.
Seu pai era um homem muito generoso e amigável. Seu trabalho era cuidar de uma instituição espiritualista, no qual muitas pessoas eram beneficiadas. Tinha um bom relacionamento com todos os profissionais e clientes que frequentavam a instituição, sendo não apenas um bom gestor, mas um amigo com o qual essas pessoas podiam contar.
A sede desta instituição era também a casa da família de Pedro. Na época da terapia, seus pais já estavam separados, mas em sua infância ainda era casados. Pedro conta que a casa estava sempre cheia de pessoas que gostavam muito dele. Entretanto, como isso fazia parte de seu cotidiano, a convivência de Pedro se dava mais com os visitantes do que com os próprios pais.
No momento em que não haviam mais visitantes na casa, muitas vezes o cenário mudava. Pedro dizia que, desde suas mais remotas lembranças, seu pai frequentemente tinha acessos de raiva. Seu pai expressava essa raiva, ora com fortes palavras ofensivas, ora com agressões físicas.

Sonho 2
“Estou numa praia e vejo que meu pai quer me pegar. Seus olhos mostram muita raiva. Começo a fugir dele. A praia é de pedras e eu tenho que fugir correndo por cima delas.”

Pedro se segurava até onde podia aguentar, entretanto, quando chegava a seu limite, tinha também fortes acessos de ira e ambos se inflamavam. A razão pela qual resistia a brigar se dava pelo fato de entender que um filho não pode se voltar contra o pai. Suas palavras foram: “Eu não posso sentir raiva de meu pai!”
Nesta fase atual, as brigas eram verbais. Mas no início, quando Pedro vivia sua infância, a partir de seus 2 anos de idade, costumava apanhar de seu pai, que o fazia com uma considerável exaltação emocional. Esses dados foram fornecidos pela mãe de Pedro, ao dizer também que não conseguia entender por que o pai sempre teve uma relação tão difícil com filho, iniciada em um momento que não havia algum elemento concreto, no qual pudesse o pai sentir qualquer rejeição que justificasse suas atitudes.
Após a conversa com o pai, passamos a conversar sobre as agressões que vinha sofrendo na escola. Eu perguntei se ele fazia algo para evitar as agressões. Ao dizer que sim, pedi a ele que me mostrasse como o fazia.
Ele olhou nos meus olhos, como se estivesse olhando para seu agressor e disse: “Não quero mais que você faça isso!” – suas palavras não se harmonizavam com seu olhar e sua postura. Seu pedido mais parecia uma súplica a alguém que tivesse o domínio absoluto da situação. Eu copiei seus gestos e tom de voz para que ele pudesse perceber a delicadeza de seu pedido.

Uma das formas de entender a situação de Pedro em sua família é o papel de Bode Expiatório.
Como foi dito, o fenômeno de Bode Expiatório, em sua manifestação usual, consiste em encontrar-se o indivíduo capaz de ser identificado com algum mal e responsabilizá-lo por isso a fim de proporcionar aos membros remanescentes um sentimento de inculpabilidade e de reconciliação com os padrões coletivos de comportamento (PERERA, 1998).
Em termos junguianos, o bode expiatório é um recurso de negação da sombra, tanto do homem como de Deus. Aquilo que é percebido como impróprio a se conformar ao ego ideal ou à perfeita benignidade é reprimido e negado, ou desmantelado e tornado inconsciente. O acusador sente-se aliviado e mais leve, sem aquele fardo que seria inaceitável ao seu ego ideal: sem a sombra (PERERA, 1998).
Os que são identificados com o bode expiatório, em contrapartida, identificam-se com as qualidades da sombra. Sentem-se inferiores, rejeitados e culpados (PERERA, 1998).

Na sessão seguinte, Pedro diz que houve um momento no qual o agressor veio pedir para ele sair do lugar em que estava sentado para que ele sentasse. Pedro olhou nos olhos dele e disse que não iria sair. Ele começou a dar chutes nas pernas de Pedro, mas este não saiu e disse sua postura foi bem diferente da anterior.
Neste momento, Pedro assume uma postura inédita em relação a um agressor. Mesmo recebendo os chutes sem contra-atacar, sua expressão corporal, na qual descrevia a situação, mostrava uma certa alteridade. De alguma forma, sua postura interior havia sido diferente de todas as anteriores nas situações de Bullying.

Jung, no início de sua obra1, fala da atitude, como um conceito psicológico que designa uma constelação especial de conteúdos psíquicos, orientada para um fim ou dirigida por uma ideia-mestra (JUNG, 2000).
Ao fazer a passagem para uma atitude ativa, os conteúdos subjetivos aparecem na consciência – conteúdos estes que consistem em ideias finalistas e impulsos a agir. A atitude psíquica tem uma ideia-mestra geral que é reforçada e fundamentada por um vasto material de experiências, princípios afetos e outros mais da mesma natureza. Cada uma de nossas ações se processa sob a influência de fatores psíquicos complicados (JUNG, 2000).
Nossa consciência está sempre disposta a acreditar na simplicidade de suas ações. Na realidade, porém, a atitude foi tomada neste determinado lugar e neste dado momento, porque havia um plano geral que deslocou o individuo para este ponto. Este plano geral é uma iniciativa criadora do inconsciente (JUNG, 2000).
A razão pela qual existe uma consciência e por que é que esta última tende fortemente a ampliar-se e aprofundar-se é porque sem ela as coisas vão menos bem. Essa é a razão pela qual a Natureza se dignou a produzir a consciência, a mais notável de todas as curiosidades da Natureza. O primitivo quase inconsciente torna-se vítima de incontáveis perigos, que nós, a um nível superior da consciência, podemos evitar sem esforço (JUNG, 2000).
Qualquer consciência dos motivos e das intenções é uma cosmovisão. Todo aumento de experiência e de conhecimento é um passo a mais no desenvolvimento da cosmovisão. E com a imagem que o homem pensante forma a respeito do mundo ele se modifica também a si próprio (JUNG, 2000).
Quase sempre é necessário uma decisão enérgica para dirigir a consciência para os problemas mais gerais da atitude. Se não o fizermos, naturalmente permaneceremos inconscientes de nossa atitude e neste caso, não temos uma cosmovisão, mas uma atitude inconsciente (JUNG, 2000).

Dentro deste conceito de atitude proposto por Jung, podemos entender que Pedro, ao se tornar ciente de sua postura diante de seu agressor, passou a assumir uma nova postura, enraizada, de certa forma, em uma nova atitude psicológica.
Após o momento no qual Pedro mudou sua atitude perante seu agressor, iniciou-se uma sequência de quatro sonhos2 com uma estrutura central semelhante, na qual existia um grande inimigo a ser derrotado.

Sonho 3
“Eu estou num restaurante com meu pai. De repente ele fica bravo com alguma coisa que eu fiz e sai andando do restaurante. Eu saio e vou atrás dele. Chegamos a uma casa. Meu pai entra comigo pra falar com uma mulher que faz exorcismo. Quando eu entro, olho pra uma janela grande de vidro e vejo que há uma forte tempestade do lado de fora. Eu começo a ouvir vozes dentro de minha cabeça e fico com muito medo daquilo. Era como se eu estivesse sendo possuído. Saio pela sala quebrando tudo até que começo a me acalmar. Quando estou calmo, aparece também minha mãe, junto com meu pai e a mulher. Começa a acontecer tudo de novo. Acordo!”

O exorcismo é uma prática religiosa que tem o objetivo de fazer sair de dentro de alguém um espírito demoníaco, senão o próprio demônio. Pedro, neste sonho, é levado até um lugar no qual existe uma pessoa capacitada para isso. Há uma tempestade do lado de fora, que ele pode observar com segurança de dentro da casa. Isso pode sugerir que a terapia é um ambiente seguro para ele poder vivenciar esse conteúdo que pode emergir à superfície. Mesmo ele sendo invadido por esta força e tendo destruído a casa, pode se acalmar e continuar lá para ser tratado.
Jung (1978) diz que nos sonhos, nas fantasias e nos estados excepcionais da mente, os temas e símbolos mitológicos mais distantes podem surgir autoctonemente3 em qualquer época. Para ele, essas “imagens primordiais” ou “arquétipos” pertencem ao substrato fundamental da psique inconsciente e não podem ser explicados como aquisições pessoais.
O demônio é uma imagem arquetípica, sugerindo que a situação psicológica do sonhador se estende para além da camada pessoal do inconsciente. Seu problema não é exclusivo, nem meramente pessoal, mas em algum ponto se estende e atinge toda a humanidade (JUNG, 1983).
Jung (1983) diz que quando essas figuras arquetípicas aparecem em sonhos, ele explica ao paciente, não o isolamento de sua personalidade, mas sim a sua comunicação com a humanidade. Para o autor, este aspecto é importante, porque muitas pessoas se sentem sós e tremendamente diminuídas pelo seu mal. Mas ao sentir a generalidade do problema, sentem-se parte da humanidade e sabem em seu íntimo que aquilo que estão vivenciando sempre foi e sempre será vivenciado por muitas pessoas em todo o mundo.
No caso de Pedro, ao considerar a ligação entre o Bullying e o Complexo de Bode Expiatório, penso que a figura de Azazel pode estar presente no seu inconsciente. É inclusive seu pai que o leva à casa para ser exorcizado, sugerindo que há uma ligação entre esta figura mítica demoníaca e a relação entre pai e filho. Pedro fora continuamente exposto às agressões do pai desde criança e desenvolveu uma personalidade dócil, o que se pode depreender que muitos aspectos de sua agressividade podem estar ocultos no inconsciente.
Como foi dito, não é a figura primitiva de Azazel, mas sim a posterior, trazida pelos hebreus, que está presente como pano de fundo neste complexo. Nela, Pedro carregaria uma culpa incutida por seu pai, e que precisaria de uma expiação, advinda de seus agressores.

Sonho 4
“Na entrada da casa do meu avô (paterno) tem um demônio agarrado no portão que tinha um nariz comprido. A textura dele lembra as estátuas gregas. Ele tem um ar meio sarcástico, mas não se mexe. Dentro da casa tem outro que eu e minha mãe estamos tentando acorrentar. Toda vez que tentamos agarrá-lo ele se solta.”

No sonho anterior, Pedro era invadido por uma força demoníaca imaterial, da qual não tinha qualquer controle. Neste sonho, esta força toma forma na figura do diabo, tanto no exterior, quanto no interior da casa. Podemos entender aqui que Pedro está podendo observar com mais objetividade seus conteúdos psíquicos, mas ainda não tem domínio sobre eles, afinal, ao tentar acorrentar o diabo junto com sua mãe, este sempre conseguia se soltar.
A figura exterior, agarrada ao portão, pode sugerir um aspecto exterior, ou visível, de sua personalidade.

1 – Essa figura do portão. O que te lembra?
2 – A primeira coisa que me lembro são aquelas festas antigas com pessoas mascaradas.

Na descrição do Complexo de Bode Expiatório, falou-se que muitas vezes encontramos uma família bastante generosa e com uma boa imagem moral perante a sociedade, mas que, em sua intimidade, vivencia sua sombra entre seus membros. Com isso, uma das possibilidades que a criança teria para conquistar a aceitação de seus pais seria a de incorporar esta imagem em sua personalidade e, assim como aprendeu com seus pais, esconder sua sombra.
No processo de desenvolvimento da personalidade, ao nos depararmos com o mundo exterior, iniciamos um processo adaptativo. O primeiro mundo exterior vivenciado pela criança é sua família. Como parte de uma família, buscamos a aceitação dos que nos rodeiam, principalmente por nossos pais. Esse processo adaptativo é responsável pela formação de uma estrutura psíquica que Jung denominou de persona.
A persona é um complicado sistema de relação entre a consciência individual e a sociedade; é uma espécie de máscara destinada, por um lado, a produzir um determinado efeito sobre os outros e por outro lado a ocultar a verdadeira natureza do indivíduo (JUNG, 1978).
Quanto maior for a necessidade de o indivíduo, no desenvolvimento inicial de sua vida, de se adaptar ao meio ambiente para se sentir reconhecido e amado, tanto maior poderá ser a identificação com sua persona. A construção de uma persona coletivamente adequada significa uma considerável concessão ao mundo exterior, um verdadeiro auto-sacrifício, que força o eu a identificar-se com a persona (JUNG, 1978).
Porem, no decurso de nossas vidas, dentro do processo de individuação, vamos integrando esses conteúdos sombrios que estavam sendo “escondidos” pela persona. Sanford (1988) diz que a integração da sombra sempre coincide com a dissolução da falsa persona.

A pessoa torna-se muito mais realista a respeito de si mesma; ver a verdade sobre a nossa própria natureza sempre tem efeitos muito salutares. A honestidade é a grande defesa contra o mal genuíno. Parar de mentir para nós mesmos a respeito de nós mesmos, essa é a maior proteção que podemos ter contra o mal. (SANFORD apud ZWEIG e ABRAMS,1991, p. 47).

No início da terapia, como foi dito, Pedro dizia que não sentia raiva de seus agressores no momento em que sofria a agressão, mas depois era invadido por suas ideias homicidas e suicidas. Ele também dizia que tinha vontade de trabalhar em ONGs que cuidavam de animais, participava de passeatas por direitos estudantis, entre outras coisas. Com isso, não quero dizer que essas coisas não tem uma relação verdadeira com Pedro, mas o contraste entre esta imagem bondosa e prestativa e suas ideias homicidas aponta para uma falta de equilíbrio. Como a persona é construída dentro deste princípio de busca de aceitação e ela tende a esconder muitas de nossas características negativas, Pedro se vê, neste momento, diante desta sua contradição.
Nessa etapa da terapia, Pedro começa a mudar sua atitude perante seus colegas, chegando a ser consideravelmente agressivo em alguns momentos. Entretanto, darei mais atenção a isto após o derradeiro sonho desta série.

Sonho 5
“Estou em uma sala toda de pedra, com musgos sobre as pedras. Começo a descer uma escadaria em espiral em direção ao inferno. No meio do caminho, chego a uma cabine, na qual existem alguns oficiais. De um vidro desta cabine, pode-se ver um exército se preparando para a guerra. Percebo que se trata de um exército amigo.”

Sonho 6
“Estou em um castelo. O exército inimigo está se aproximando. Meu exército está em prontidão. Quando começa a guerra, estou em cima do castelo como um arqueiro. Percebo que não posso fazer muita coisa com arco e flecha. Minha mãe diz que há um avião partindo e que eu posso me poupar da guerra e fugir. Eu digo não a ela e desço para enfrentar o exército inimigo. Ao chegar ao portão do castelo, o inimigo está quase conseguindo abrir. Saio correndo e consigo agarrar os portões e impedir que o inimigo entre. Assim que consigo fechar o portão ao inimigo, aparece um tigre ao meu lado. Subo no tigre, os portões se abrem e saio em direção ao exército inimigo. Enquanto os exércitos continuam combatendo ao redor, eu, em cima do tigre, sigo em frente derrubando todos os que estão à frente e o faço sem encostar neles, apenas estendo minha mão e é como se saísse uma energia dela. De repente o tigre começa a se transformar em colunas douradas e dessas colunas saem cavaleiros dourados. O exército inimigo é derrotado. Ao final, um general do meu exército passa pelos que estão no chão recolhendo pedras preciosas que eram deles.”

Todos os sentimentos e capacidades que são rejeitados pelo ego e exilados na sombra contribuem para o poder oculto do lado escuro da natureza humana. No entanto, nem todos eles são aquilo que se considera traços negativos. (ZWEIG e ABRAMS, 1991. p. 16)

Uma vez que a sombra nos apresenta nossa primeira visão da parte inconsciente da nossa personalidade, ela representa o primeiro estagio para encontrar o Self (WHITMONT, 1994).
O inconsciente não é um monstro demoníaco, apenas uma entidade da natureza, indiferente do ponto de vista moral e intelectual, que só se torna realmente perigosa quando a nossa atitude consciente frente a ela for desesperadamente inadequada. O perigo do inconsciente cresce na mesma proporção de sua repressão. No entanto, no momento em que o paciente começa a assimilar-lhe os conteúdos, a sua periculosidade também diminui. À medida que a assimilação progride, também vai sendo suprimida a dissociação da personalidade, a ansiedade da separação entre o lado diurno e noturno (JUNG,2011).
Na verdade, o princípio da individuação está relacionado com o elemento diabólico na medida em que este último representa a separação do divino dentro da totalidade da natureza. Os aspectos diabólicos são os elementos destrutivos — os afetos, o impulso autônomo de poder e coisas semelhantes. Eles rompem a unidade da personalidade (von FRANZ apud ZWEIG e ABRAMS, 1991).
Sanford (1988), diz que na maioria das vezes as pessoas começam a descobrir o caminho para a consciência apenas quando se deparam de algum forma com o mal, sendo fundamental que reconheçamos o lado sombrio de nós mesmos para desenvolvermos uma personalidade consciente. Para ele, só esse reconhecimento produz uma mudança poderosa e benéfica na consciência.
O autor ainda complementa, dizendo que:

o mal é necessário, caso queiramos nos tornar completamente humanos. Se um ser humano íntegro é alguém que sente, então é preciso que o mal exista, para que nossa natureza sensitiva cresça e viva. (SANFORD, 1988. p. 20)

Abaixo estão as associações que Pedro fez com o sonho 5:

1 – Essa sala fechada de pedra, você falou que tinha musgos lá. Como que é?
2 – Vem algo que me lembra isso, mas não sei o que é.
1 – Algum lugar que você esteve?
2 – Tem um lugar em Itanhaém que eu fui algumas vezes quando criança. Parecia uma ruína no chão e tinham essas pedras. Lá tem aquele pau que se colocava escravos pra bater.
1 – Você apanhava do seu pai, ou era mais verbal?
2 – Tapa ele dava bastante e puxava pelos cabelos também.
1 – Ele te tirava do chão?
2 – Ele segurava e me prensava na parede. Teve uma vez que ele jogou uma cadeira no chão que fez um buraco. Teve outra que ele jogou meu material escolar em mim. Tinha vezes que eu me escondia debaixo da cama e ele virava a cama.

Com essas associações, que como foi dito, foram feitas após alguns meses da ocorrência do sonho, podemos perceber que há uma grande mobilização psíquica. Pedro, neste momento da terapia, passa cada vez mais a reconhecer sentimentos em relação ao pai. Houve sessões em que foi dado o espaço para que ele expressasse sua raiva, dando socos em um colchão e o resultado foi uma grande descarga de agressividade.
Como o sonho posterior a este (sonho 6) tem uma temática semelhante, vou já adiantar as associações trazidas por Pedro.

1 – Essa história de você estar com o tigre e subirem colunas douradas, o que você pode falar disso?
2 – Esse sonho lembra muito essa coisa grega, meio troiana. Essas colunas lembram muito esses lugares. Tem uma coisa que eu sempre brincava quando criança – de imaginar batalhas grandes e eu lutando na linha de frente, mesmo que fosse um comandante. Eu gostava até de me imaginar morrendo lutando por algo; era uma sensação de poder, eu era muito forte.
1 – O Jung fala que os sonhos são compensatórios. No sonho, existe uma cena épica na qual você era o todo poderoso, tem toda a força do mundo. Isso mostra uma compensação. Quando criança, você cultivou uma fantasia de que você era um herói como uma compensação de um sentimento de inferioridade. E esse general no final, recolhendo as pedras, de onde vinham essas pedras?
2 – Do chão; pareciam espólio de guerra. Você já assistiu a Viagem de Chihiro1. que tinha um sapinho que ficava procurando coisas no chão e tinha outro personagem que dava dinheiro pras pessoas. Esse sapinho era desesperado por dinheiro. Era uma coisa meio mesquinha, era bem como esse filme.
1 – E, depois de ganhar essa guerra, por que era necessário fazer isso?
2 – Ele procurava meio desesperado, era meio nojento. Tinha aquela questão de eu querer ter as coisas que eu nunca tive. Eu falava que se dane os outros, eu quero ter meu dinheiro.

Todos os processos excessivos desencadeiam imediata e obrigatoriamente suas compensações. Sem estas, não haveria nem metabolismos, nem psiques normais. Podemos afirmar que a teoria das compensações é a regra básica, neste sentido, do comportamento psíquico em geral. O que falta de um lado, cria um excesso do outro. Da mesma forma, a relação entre o consciente e o inconsciente também é compensatória. Esta é uma das regras operatórias mais bem comprovadas na interpretação dos sonhos. Sempre é útil perguntar, quando se interpreta clinicamente um sonho: que atitude consciente é compensada pelo sonho? (JUNG, 2011. § 330)

A compensação não é apenas uma ilusória satisfação de desejo, mas uma realidade tanto mais real quanto mais reprimida (JUNG, 2011). A repressão não elimina as características ou impulsos, nem as impede de funcionar. Apenas as remove da consciência do ego. Ao serem postas de lado, também ficam longe da supervisão e, portanto, podem continuar sua existência sem freios (WHITMONT, 1994)
Jung (2011) diz, com relação aos conteúdos reprimidos que surgem em sonhos, que o primeiro a se fazer é aceitar o conteúdo do sonho como uma realidade e acolhê-lo, como tal, na atitude consciente como um fator co-determinante. Se não o fizermos, segundo ele, insistiremos naquela atitude consciente excêntrica, que foi a causa, justamente, da compensação inconsciente.
Pedro, neste derradeiro sonho, vive uma cena grandiosa. Uma batalha épica, na qual ele é o personagem principal, montado em um tigre e usando uma força mágica para derrubar seus oponentes. Possivelmente estamos falando aqui de uma compensação de sua situação consciente. Toda a história vivida com se pai pode ter sido responsável por deixar em Pedro um sentimento de inferioridade compensado neste sonho.
Entretanto, há um elemento importante no final do sonho. O general que passa recolhendo os espólios de guerra.

Esse escuro tesouro inclui a nossa porção infantil, nossos apegos emocionais e sintomas neuróticos bem como nossos talentos e dons não-desenvolvidos. A sombra, diz ela, “mantém contato com as profundezas perdidas da alma, com a vida e a vitalidade — o superior, o universalmente humano, sim, mesmo o criativo podem ser percebidos ali. (Liliane Frey-Rohn apud ZWEIG e ABRAMS, 1991. p 16)

Como foi dito anteriormente, no início da terapia, Pedro participava de protestos por direitos estudantis, desejava participar de ONGs que cuidam de animais, entre outras coisas. Essa era sua atitude consciente.
No momento em que essas as associações com o general foram feitas, lembrei a Pedro que, alguns meses depois da ocorrência deste sonho, ele começou a sentir um grande desejo de subjugar pessoas. Segundo ele, seu desejo era ser um grande empresário e ter muitas pessoas abaixo dele, sendo tratadas por ele de uma forma que pudesse lhe trazer esse sentimento de poder. Houve também um momento em que ele chegou a usar de algumas estratégias de Bullying para maltratar um colega que estava em uma condição vulnerável e relatou que sentiu prazer em fazer isso.
Jung (1983) afirma que algumas pessoas estão sujeitas a ter as mais apavorantes fantasias em que se imaginam cometendo um assassinato, cortando braços e pernas do inimigo e coisas desse tipo. Ele diz que essas fantasias são fragmentos invasores provenientes do inconsciente e que não é absolutamente necessário tratar-se de psicose, nem tampouco que seja patológico.
Zweig e Abrams (1991) dizem que só aqueles que conhecem a sua capacidade para a lascívia, a cobiça, a raiva, a glutonaria e todos os excessos – aqueles que compreenderam e aceitaram o seu próprio potencial para extremos inadequados – podem optar por controlar e humanizar suas ações.

Este trabalho foi realizado em cima de um estudo de caso de um adolescente vítima de bullying. No início da terapia ele trouxe uma sequência de sonhos carregados de uma simbologia que serviram tanto para sua terapia, quanto para o desenvolvimento deste trabalho.
No primeiro capítulo foi feita uma descrição do bullying. De uma forma geral, usamos esse termo para descrever as situações nas quais uma pessoa ou grupo é constantemente exposta a agressão. Esta agressão pode ser física, verbal, ou até mesmo feita através da internet e aquele que agride tem a intensão de prejudicar a vítima. A vítima, por outro lado, costuma sentir vulnerabilidade, medo ou vergonha intensos e uma autoestima cada vez mais baixa, aumentando a probabilidade de vitimização continuada.
Ainda neste capítulo, busquei dar uma ideia de como se estrutura a condição, na qual um indivíduo se torna uma vítima de bullying. A proteção excessiva, o tratamento infantilizado e o papel de bode expiatório da família são os fatores mais considerados na literatura. Entretanto, aqui eu já exponho um dos objetivos deste trabalho, que é trazer a responsabilidade da situação para a vítima, no que concerne a suas atitudes inconscientes. Esse olhar não quer desconsiderar a responsabilidade da família e dos agressores, mas quer reconhecer que há na vítima uma intensa atividade inconsciente que atrai para si o bullying, mas aqui isso é apenas apresentado como tal, já que será detalhado em capítulos posteriores.
No segundo capítulo abordo a psicologia analítica, ao descrever, de forma sintética, a estrutura do inconsciente proposta por Jung. Nessa descrição busquei dar uma ideia da teleologia da dinâmica psíquica, ou seja, de que os movimentos de nossa psique tem uma finalidade e que esta finalidade é o processo de individuação.
O inconsciente é dividido em inconsciente pessoal e coletivo, onde o primeiro contém material acumulado através de experiências pessoais, mas o segundo repousa sobre a experiência da humanidade, bem como sobre matrizes coletivas que Jung chama de arquétipos. A importância do inconsciente pessoal neste trabalho se dá pela história vivida por Pedro, tanto pelas agressões na escola quanto pela sua vida em família. A importância do inconsciente coletivo, por outro lado, vem de encontro à minha hipótese de que o bullying é uma expressão contemporânea do complexo do bode expiatório. De uma forma bem sintética, posso dizer que minha hipótese é a de que Pedro incorpora em sua vida a dimensão do bode errante e serve como expiação para a sobra de outras pessoas.
No terceiro capítulo apresento o caso e trago seus sonhos e ampliações. Para a psicologia analítica, os sonhos são um produto natural e altamente objetivo da psique, do qual podemos esperar indicações ou pelo menos pistas de certas tendências básicas do processo psíquico. Nele podemos encontrar muitos elementos que ainda não estão presentes em nossa consciência e posso dizer, pelos seus sonhos, que um desses elementos seria a agressividade de Pedro.
Esse olhar aqui proposto abre a possibilidade de uma discussão, que fiz ainda neste capítulo, a respeito do bem e do mal no caso de uma vítima de bullying. Dentro desta perspectiva, o mal vivenciado por Pedro em sua vida escolar não seria apenas uma consequência nefasta da situação que este viveu em sua infância, mas seria uma expressão de sua própria condição interior, não no sentido de uma incapacidade de reagir frente aos agressores, mas no sentido de possuir em seu inconsciente uma sombra carregada dos conteúdos negativos que, como no ritual do bode expiatório, carrega a sombra da coletividade. Essa condição interior seria a responsável pelas agressões e o verdadeiro caminho para uma realização interior seria um reconhecimento desta sombra.
O trabalho analítico com Pedro, principalmente com a análise de seus sonhos, permitiu um considerável reconhecimento de sua agressividade, bem como de fantasias que jaziam ocultas de sua consciência, mas que revelaram uma condição interior bem diferente de sua postura consciente. Houve um momento, durante a terapia, que Pedro voltou a ter uma enorme descarga de conteúdos psíquicos e eu, junto a ele e seus pais, decidimos dar início a um tratamento psiquiátrico. O médico, que também é analista, optou por um tratamento com estabilizador de humor. Segundo ele, esta medicação permite que a pessoa possa lidar com seus conflitos de uma forma mais amena.
Eu não tenho como saber se essa foi a melhor decisão e talvez posso considerar que me deparei aqui com um limite meu em relação à terapia, mas sei que Pedro hoje desfruta de uma vida interior mais confortável. De minha parte, sinto que fizemos um bom trabalho analítico, sem o qual esse estado interior não seria possível. Suas fantasias ainda estariam poderosamente latentes.

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Palavras-chave: psicologia junguiana
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