Malévola e a Psicologia Masculina

Por Daniel Nunes em 18/06/2015

Um Hino ao Homem de Gil, Caetano e Ivete

Um dia de cinema, como outro qualquer, para assistir um filme/animação por puro entretenimento. Jamais iria supor que ao final de Malévola estaria eu estarrecido diante de uma sensação de que todo o filme se trata do caminho interior que qualquer homem (do sexo masculino) deve percorrer para ser inteiro.

Quem disse que hoje em dia não produzimos bons mitos, fábulas ou contos? Jung, em sua psicologia analítica, nos mostra que em qualquer época da humanidade se criam espontaneamente essas estórias que guardam em si retratos da alma humana. Estórias que podem ser tratadas em psicoterapia.

Malévola é, simplificadamente, a história desta, que é a bruxa em Bela Adormecida. No filme, ela é uma fada em um reino fantasioso que faz fronteira com o mundo do seres humanos. Ao se aproximar do mundo dos homens, acaba se apaixonando, mas é traída – suas asas são cortadas. Com isso, todo o seu reino desvanece e ela passa a nutrir um profundo ressentimento em relação às pessoas. Um muro de espinhos se ergue em volta de seu mundo – agora sem vida e cor – e ela precisa de uma longa jornada para recuperar suas asas, sua bondade e alegria de viver.

E como essa estória se relaciona com a psicologia masculina? Como seu conteúdo pode ser útil à Psicoterapia

No início do filme vemos Malévola em seu mundo, percorrendo com suas asas toda a extensão daquela terra fantástica e fantasiosa – uma terra cheia de vida e cor.

 

Jung nos mostrou que uma parte essencial da psique masculina se chama “Anima”. Esta seria a parte feminina de sua pique, primitiva e inconsciente, mas que lhe serve de ponte a seu mundo interior. A Anima dá ao homem a capacidade de relacionamento afetivo com a vida, com as pessoas e consigo mesmo. Entretanto, neste momento, quero me ater a relação da anima com o inconsciente.

Malévola não era governanta daquele mundo, mas era ela que estava ligada a todos os seres que lá habitavam e que, de alguma forma, reconheciam seu poder. Da mesma forma, a Anima, ao servir de ponte para o inconsciente, pode ligar o homem a seus conteúdos interiores.

Quando criança, o menino (assim como a menina) traz consigo uma relação rica e prolífica com o inconsciente. Suas fantasias e seu mundo interior ainda resistem ao peso da vida adulta. Entretanto, aos poucos, a nossa cultura traz a este menino valores masculinos de poder, de força, de vaidade e de ambições que forçam esta criança a sufocar sua sensibilidade em nome de uma imagem masculina idealizada – homem não chora!!

No início do relacionamento de Malévola e Stephan, ambos vivem uma relação muito bonita, que pode representar este momento infantil do desenvolvimento masculino, porém, chega o momento em que este se afasta dela por causa de sua ganância, pois seu sonho desde menino era morar no castelo do Rei.

 

Este pode ser considerado o momento em que os homens, em nossa sociedade, passam a viver egoicamente. Aos poucos, desenvolvem a razão e começam a construir uma sensação de que serão capazes de dominar qualquer tipo de sentimento que a vida venha a lhes trazer, bem como de alcançar qualquer coisa que desejarem, sem levar em conta que, para onde forem, existirão pessoas a seu lado.

Esta atitude masculina representa a traição ao mundo interior. A negação da afetividade e sensibilidade relega a Anima ao inconsciente e esta, por não ter como se expressar através da consciência, passa a agir destrutivamente, sabotando as intenções dos homens.

Malévola é violentamente traída por Stephan. Este, pelo desejo de se tornar rei, corta suas asas e as leva ao atual rei como sinal da sua morte. Após ser traída, Malévola assume um comportamento nefasto, à espera de uma oportunidade de se vingar. Aos poucos seu mundo perde as cores e a vida até que se ergue uma imensa barreira de espinhos.

Por mais que os homens queriam garantir a soberania da razão, sempre serão, em algum momento, vítimas de uma Anima desprezada. Podem projetar esta Anima em uma parceira e ter com ela explosões de raiva por sentir que ela está sempre a lhe provocar. Podem ter uma explosão de ira no trabalho ou no trânsito, mas também podem se ver sem vida, sem alegria, em um estado de profundo vazio afetivo, já que sua Anima se vingou e ergueu para eles muros impenetráveis a seu mundo interior – e é este mundo interior que poderá lhes dar um dia um sentimento de plenitude e significado.

Mas como pode esse homem resgatar a relação com sua Anima, já que esta agora age contra ele?

Esse é o momento do feitiço!! Malévola esperou pacientemente pelo momento de poder jogar o feitiço sobre a filha do rei.

 

Na vida de um homem, quando este se apaixona por uma mulher, podemos dizer que este foi enfeitiçado. E dizemos, em Psicologia Junguiana, que a Anima de um homem é projetada sobre as mulheres que este se apaixona. Esta é a forma através da qual a psique masculina busca a integração da Anima com a consciência, ou seja, é a partir de um relacionamento que um homem passa a resgatar sua afetividade perdida – ou pelo menos assim deveria o ser. Um bom relacionamento afetivo pode ensinar ao homem a olhar para seu mundo interior, a reconhecer seus sentimentos e a voltar a brindar com essa parte doce e profunda da vida.

No filme vemos a figura de Malévola sempre ao lado da princesa. No início Malévola é ainda hostil com a criança, mas aos poucos a doçura da menina suaviza o coração de sua “fada madrinha”, como lhe chamava, e esta passa a amar a princesa de verdade, pois é seu beijo que desperta a princesa de seu sono.

Podemos ver nos relacionamentos que seu início é marcado por um grande feitiço, pois a mulher ainda não é vista em sua totalidade, mas é amada como se o fosse. Com o andar da relação, é preciso se percorrer um grande caminho até que possa surgir uma relação madura e verdadeira. O casamento interior com a Anima não precisa necessariamente acontecer através da relação com uma mulher, mas certamente esse é um dos caminhos mais utilizados por nossa psique.

Quando um homem tem coragem suficiente para fazer esta travessia, sua masculinidade se torna inteira. Sua Anima volta a dar vida a seu mundo interior e o homem sente isso através de uma percepção intuitiva do significado da sua existência.

Daniel Nunes é Psicoterapeuta Junguiano e atende em Campinas, no bairro Cambui.

Um Hino ao Homem de Gil, Caetano e Ivete

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